Ressaca

Disse o profeta:

A casa onde eu morava nessa época tinha algumas qualidades. Uma das mais bacanas era o quarto, pintado de um azul muito escuro. Esse azul muito escuro fornecia um abrigo para muitas ressacas, algumas suficientemente brutais para matar um homem, sobretudo numa época em que eu engolia pílulas que as pessoas me davam sem me preocupar em perguntar o que eram. Algumas noites eu sabia que, se adormecesse, morreria. Ficava dando voltas sozinho a noite toda, do quarto ao banheiro e do banheiro à cozinha, passando pela sala da frente. Abria e fechava a geladeira, repetidas vezes. Abria e fechava as torneiras. Dava descarga na privada. Puxava as orelhas. Inspirava e expirava. Depois, quando o sol saía, eu sabia que estava salvo. Aí dormia com as paredes azuis, azuis, azuis, curando-me.

Outra característica da casa eram as batidas na porta, de mulheres desagradáveis, às três ou quatro horas da manhã. Certamente não eram damas de grande encanto, mas tendo uma mente meio idiota, eu achava que de algum modo elas me traziam aventura. A verdade mesmo é que a maioria delas não tinha outro lugar para ir. E gostavam do fato de que havia bebida e de que eu não fazia muita força para ir pra cama com elas.
Evidentemente, depois que conheci Sarah, essa parte do meu estilo de vida, mudou bastante.

Charles Bukowski

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