Disse o profeta:

Do livro, O Insaciável Homem Aranha (Ed. Companhia das Letras, SP, 2004)

- O senhor conhece a bíblia?
-Conheço, gosto muito dos evangelhos.
-Ah, então o Senhor...
-Olhe, meu amor, os evangelhos são uns romances esplêndidos, mas não gosto de padres, nem de igrejas, nem de missas, nem dos ritos e das obras de teatro que montam. Nem de religião, nem de política. Por princípio, recuso tudo que constitua um eixo de poder.
-Um eixo de poder?
-É.
-Ehhh...
-Não sabe o que é um eixo de poder? É a partir de um eixo de poder que manipulam você.
(pág. 84)

Fazia um calor sufocante e me entretive olhando pela janela os vizinhos dos andares inferiores. Me pergunto se todas as vidas são tão vertiginosas e caóticas como a minha. Será que todos vivem tão desesperadamente? É insuportável. Às vezes penso que já está tudo feito. E não tem volta. Quando a gente escreve até transformar a escrita em vício, a única coisa que se faz é explorar. E para encontrar alguma coisa é preciso ir até o fundo. O pior é que, uma vez no fundo, é impossível regressar até a superfície. Não se pode sair jamais.
(pág. 87)

A gorda se foi. Fiquei sozinho com os cachorros e a novelona de Eduardo e sua mãe. Eu estava passando por um período de intolerância total. E isso é terrível. Tinha de controlar o desejo de começar a chutar os cachorros até matar. E de espatifar o rádio no chão. Essas etapas são muito dolorosas. Às vezes consigo abrandá-las um pouquinho e entro em fases de serenidade. Então as pessoas acham que sou um sujeito nobre e generoso desde nascença.
(pág. 91)

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