Querido diário

Órfão, carente, mulambento que eu andava de ler alguma coisa realmente interessante, desde a morte do nosso Bukowski, chega em minhas mãos sujas, um exemplar do Trilogia Suja de Hava, de um tal de Pedro Juan Gutierrez. Mestre, gênio, vou transcrever alguma coisinha pra vocês sentirem o clima...

Se você tem idéias próprias - mesmo que sejam só umas poucas idéias próprias - tem de compreender que estará sempre encontrando uma série de caras feias, gente que vai fazer questão de lhe dar o contra, de diminuí-lo, de "fazer você entender" que não tem nada a dizer, ou que você deve evitar aquele sujeito porque ele é louco, ou efeminado, ou um verme, um vagabundo, outro porque é um punheteiro ou voyer, outro porque é ladrão, outro, macumbeiro, espírita, maconheiro, outra porque é canalha, indecente, puta, sapatona, mal-educada. Eles reduzem o mundo a umas poucas pessoas híbridas, monótonas, aborrecidas e perfeitas. E assim querem transformar você num excluído e num merda. Jogam você de cabeça na seita particular deles para ignorar e suprimir todos os outros. E lhe dizem:
"A vida é assim, meu senhor, um processo de seleção e descarte. Nós somos donos da verdade. O resto que se foda." E como passam trinta e cinco anos martelando isso no seu cérebro, quando você está isolado se acha o máximo e se empobrece muito porque perde uma coisa bonita na vida, que é desfrutar a diversidade, aceitar que nem todos somos iguais e que, se assim fosse, seria muito chato."

Não é muito bom?
Eu tô achando que a fonte, outrora seca, volta a brotar com a límpida água da literatura "direto no saco". Sem frescura, sem ditadura, sem filtro de modernidade ou rococó burguês. Nós os ratos, os sobreviventes do mundo globalizado, precisamos ler coisas que não sejam chatas, pretensiosas. Nós queremos mesmo é sugar o sangue dos outros. Queremos vida em forma bruta. Deixe-nos em paz, detentores da verdade. A única verdade suportável morreu de inanição numa favela qualquer aqui perto da minha casa.
Mas é isso.
Mais uma ano que se passa.
Mais um ano que se passa.
Alguém devia fazer um estudo do porquê ficam estes humanos soltando fogos nos meus ouvidos o dia inteiro e mais durante a noite, e mais no primeiro dia do ano.
Querem não pensar no que fizeram nos outros dias, atordoando-se e aos outros até o vômito?
Inferno.
Que usem pólvora para explodir de vez a própria cabeça.
Inferno.
...mas em matéria de rótulos nunca nenhum grudou em mim. Marginalizado entre os poetas marginais, contraditório entre os malditos, inclassificável entre os desclassificados, pendente entre os independentes, meu caso é tão à parte que o qualificativo mais adequado seria "incoisável". (Glauco Mattoso na revista do Lobão, a Outra Coisa".
Lentamente vou me metamorfoseando num ser virtual. Lendo umas coisas ali, assitindo uns filminhos acolá, sacando o que é o tal flash (desse eu manjo pouquíssimo). O legal é essa sensação de liberdade que rola. Essa possibilidade de publicar, editar, criar. Mas a fonte, ou seja, eu mesmo, continua sendo o mesmo caldeirão de goiabices que venho acumulando através dos anos. Ou seja, a web, o computador, não geram novas idéias, mas ajudam a organizá-las.
Assim, esta semana, além do site da revista do lobão revistaoutracoisa.com.br , eu visitei um site bem interessante chamado ateus.net e me sinto mais animado a manter este estranho blog sem figurinhas.
Salve lá Caronte, sábio barqueiro que conduz as almas até a outra vida. Qual o preço da semana por passagem de ida e volta ao paraíso do primeiro mundo? Viver sonhando? Gastar e achar que não acaba? Quero voltar porque sei que tudo cansa. Até viver na Europa ou nos Estados Unidos. Como sei, se nunca estive por lá? Ora, alguns de meus antepassados, achacados por:
guerras, pobreza, superpopulação ou mesmo por desterro, vieram dar aqui, nessas paragens subtropicais. E o caminho de volta me seria ruidosamente penoso, visto que já me afeiçoei demais a esta morenice dos mares do sul.
Salve Caronte, que belos olhos tens em teu barco, que levas lentamente rio acima, gente que se despede, tem um doce brilho no olhar. Vão em paz, almas desconhecidas e dêem notícias aos que lá estão, desejosos de estar de novo, envolvidos nos infernos do 3º mundo. O 3º mundo vai explodir. Quem tiver de sapato não sobra. (Do filme O Bandido da Luz Vermelha, BRA/1968, do Rogério Sganzerla)