O velho Buk em momento fofinho

Nilo Neto
Disse o profeta:

Eu nem deveria estar aqui escrevendo. É até meio perigoso. E se me cai umas lágrimas no teclado, quer dizer, estou sujeito até a levar choque. Mas o oficio do poeta é a palavra e a dor, sua grande motivação. Até aí nada de novo. Nada de novo também escrever sobre o amor. Mas este amor, senhoras e senhores, com licença... Quanto mais penso em tudo o que vivemos, mais me dói, menos entendo e daí choro. E olha que nem sou muito disso. Mas a coisa explode aqui dentro e quando vejo, estou soluçando por aí. Noite dessas até no boteco. Que vergonha que eu passei. Nem lembro bem porque, sei que de repente tava lá, no maior chororô com a galera me olhando espantadíssima. Tava até rolando um roque panque e aquele empurra empurra. Bem divertido até. Daí de repente, não mais que de repente, do riso fez-se o pranto...
Disse o profeta:

Não deviam deixar os poetas tentar viver esse amor da vida real.
Poetas são: complicados, sensíveis, imaturos e intensos. Não têm força pra lidar com o cotidiano.
Amor de poeta é como borboleta beijando flor.
Deveriam, isso sim, criar uma espécie de colônia de férias de emoções, para que eles pudessem viver e criar poesia, sem criar confusão, nem colocar a si mesmos em situações de grande risco.
Por ciúme e raiva, muitos poetas morrem, matam, viram bebuns ou andarilhos.
Eu mesmo agora ando pensando num jeito de matar esse amor tão dolorido, dentro de mim.
Mas nem isso sei fazer direito.
Dizem que devo me embriagar e buscar o perfume de outras mulheres.
Eu só consigo chorar e deixar recados estranhos, na secretária eletrônica dela.

mais velho safado

Disse o profeta:

Pra quem gosta, um pouco mais de Charles Bukowski

Dia frouxo. Entrei na piscina de hidromassagem com um boa-vida. O sol estava brilhando e a água borbulhava e fazia redemoinhos, quente. Relaxei. Porque não? Dê um tempo. Tente se sentir melhor. O mundo inteiro é um saco de merda se rasgando. Não posso salvá-lo. Mas recebi muitas cartas de pessoas que disseram que meus livros salvaram suas vidas. Mas não escrevi para isso, escrevi para salvar a minha própria vida. Sempre estive por fora, nunca me adaptei. Descobri isso nos pátios das escolas. E outra coisa que aprendi foi que eu aprendia muito devagar. Os outros caras sabiam tudo; eu não sabia merda nenhuma. Tudo estava imerso em uma luz branca e estonteante. Eu era um idiota. No entanto, mesmo quando eu era um idiota , sabia que não era idiota completo. Eu tinha algum cantinho mim que eu estava protegendo, havia alguma coisa lá. Não importa. Aqui estava eu na piscina e minha vida estava terminando. Não me importava, já tinha visto o circo. Ainda assim, sempre haverá mais coisas para escrever até que me atirem na escuridão ou seja o que for. Isso é que é legal sobre as palavras, permanece indo em frente, buscando coisas, formando frases, se divertindo. Eu estava cheio de palavras e elas ainda saíam em boa forma. Eu tinha sorte. Na piscina. Garganta ruim, dor de cabeça, eu tinha sorte. Velho escritor na piscina, meditando. Legal, legal. Mas o inferno está sempre lá, esperando para se abrir.

Do livro: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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me sentei e bebi mais um pouco, pensando no filho da puta que controlava a parte traseira e tinha feito aquilo comigo. não vale a pena ser educado. aí me lembrei da subvenção. será que um homem e uma mulher, não casados, recebem também o benefício? claro que não. deixariam os dois morrendo de fome. e amor. pensando bem, não passa de uma espécie de palavrão. mas tinha qualquer coisa a ver com o que existe entre Linda e eu - amor. era por isso que a gente sofria privações lado a lado, e bebia e morava junto. o que significava o casamento? apenas uma FODA santificada e toda FODA santificada, sempre, em última análise, acaba, infalivelmente, ficando CHATA, se transformando em OBRIGAÇÃO. mas isso é mesmo o que o mundo quer: algum pobre filho da puta, encurralado e infeliz, com uma obrigação a cumprir. ora, que merda, era melhor eu me mudar para a parte mais pobre da cidade e Linda passar a morar com Big Eddie. Big Eddie podia ser idiota, mas pelo menos lhe compraria roupas e lhe poria alguns bifes no estômago; bem mais do que eu estava em condições e fazer.
Bukowski Pernas de Elefante, o fracasso social.
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ah, que droga. então sentei e abri a garrafa de uísque. enchi dois copos comuns até a borda, tirei os sapatos, as meias, as calças, a camisa e peguei um dos cigarros dela. fiquei sentado só de cueca. sempre faço assim, logo de saída. gosto de me sentir à vontade. se a fulana achar ruim, foda-se. porta da rua, serventia da casa. mas elas nunca vão embora. deve ser por causa do meu jeito. tem umas que dizem que podia ser rei. outras falam coisas bem diferentes. fodam-se.

Charles Bukowski - Crônica de um amor louco
Disse o profeta:

Primeiras horas do primeiro dia, longe da minha esperança preferida.
A torrente de lágrimas cessou. Parece que está se represando em algum lugar do meu peito. Tenho medo da inundação.
Ela foi a mulher que me fez sonhar com uma outra vida. Ela me fez aceitar minha humanidade e ser mais compreensivo com a dos outros. Ela me fez, pela primeira vez, querer ter um filho. Ela se foi. Preferiu pousar suas asas em outro jardim. Gostaria muito de voltar a sonhar, mas agora só tenho o silêncio como companhia.

Bukowski disse, de uma mulher:
- ela passa por mim e deixa um rastro deslumbrante como uma avalanche estraçalhada pelo sol.
Acho que é isso.

Deus tenha misericórdia dos nossos corações. Espero que ela esteja bem. Sinto falta de suas palavras, sua inspiração, suas confusões e sorrisos. Sinto falta daquele jeitinho que ela me chamava de macacão. Como se fosse uma menininha curiosa. O tempo, esse único aliado, há de aliviar nossas dores. Bom mesmo seria dormir uns dois anos.
ela

Nilo Neto

o visgo da lesma leprosa

Disse o profeta:

querido diário

tomei um taquaraço no meio dos cornos. tomei mais um nas pernas. caí. olhei pro céu, não tinha céu. fiquei ali jogado no chão muitos dias. de repente aprendi a chorar. aliviou. mas só um pouco. o peso no peito parece que vai me vencer. mas continuo vivo. e viver parece o pior de tudo.
cuidado crianças. pessoas frágeis, afastem-se do amor. nunca caiam na besteira de achar que podem participar desse grande movimento impunemente. você pode passar um ano, uma pessoa, uma paixão. mas um dia o taquaraço vem. e se é bem dado, como foi comigo. neguinho se desorienta. perde o rumo. vira andarilho, bebum, mata, morre.
ainda estou caído. ainda me dói respirar. nem sei quando vou aprender a ver o céu de novo. mas quem passar pelo meu caminho daqui pra frente, vai conhecer outra pessoa.
por enquanto estou concentrado em sobreviver.
caralho, como dói.