Serra em Transe

Tal qual um jovem Glauber, cheio de dúvidas e uma certeza: mudar o mundo, subi a Serra Catarinense em busca do santo graal. E mesmo sabendo que para fazê-lo, só conto com a possibilidade da transformação da minha forma de estar no mundo, segui, cheio de esperança, por entre curvas e ventos.
Ao chegar em São Joaquim, o contato com os serranos não poderia ter sido mais doce. Encontrei um povo hospitaleiro e trabalhador, mergulhado num meio ainda cheio de vida, apesar da aparente lentidão dos dias. Sequiosos de mergulhar no século 21 e donos de uma riqueza natural e cultural para eles ainda invisível. Resumindo, vi-me na Desterro dos anos 70. Sentados sobre um pote de ouro, numa terra em que ainda se usa o escambo como meio essencial de sobrevivência.
E como lhes mostrar suas grandes virtudes, sem necessariamente corrompê-las? Como não me transformar no tal forasteiro residente, com ares de gafanhoto devorador de culturas, que hoje tanto me incomoda em minha terra natal, a tal Floripa?
Desenvolvimento sustentável? Palavrinhas tão faladas hoje quanto progresso anos atrás, me parecem ainda não conectadas com a sensibilidade necessária, para arriscar levar àquela gente a notícia de uma prosperidade possível.
Distribuição de renda? Numa cidade onde ainda se beija a mão dos latifundiários, chamando-os de padrinhos, quais coronéis do tão cantado sertão nordestino?
Naturalmente somente trabalhando a base via educação popular, cuidando para não ser confundido com o Salvador, mas portador da semente da boa nova: a cooperação.
Quem sabe numa ONG, talvez chamada Serra Viva, poderia acomodar as ações que englobariam as múltiplas iniciativas paridas do desejo daquele coletivo.
Mas tudo isso acabou sendo engolido pela música das aves, pelo céu incrivelmente azulado, pela comida tão prazerosamente compartilhada, pelas muitas histórias hilariantes e principalmente da sensação de estar vivo, coisa que hoje já não encontro com facilidade em minha moribunda capital.
Sem esquecer, naturalmente, o calor e sorrisos da mulher amada, também serrana, tão presente nos meus dias que já faz parte de tudo.
Ah, dias de paz em São Joaquim. Meu coração está pleno dos teus encantos.
Laurinha, Cris, Padre Blévio, Tia Dite, Tio Braza, Tio Pruda, Dona Mila, Peixe, Carlinhos, Stélio, Família Vieira, Família De Bem e tantos outros...
Salve Serráqueos. E obrigado por não me levarem ao seu líder.

Nilo Neto
Criciúma, 3 de novembro de 2004.